Conhecendo a Burocracia.

Todos dizem que o Brasil não tem leis justas. Frases como 'Só no Brasil mesmo, as pessoas estão morrendo por causa da falta de órgãos e um monte deles é jogado fora por pouca bobagem.', 'No Brasil até médico faz tráfico de órgãos.', 'A fila dos transplantes é um absurdo, um monte de gente morre por causa da complicação da lei.' são bem comuns...
Mas quando falamos em lei injusta, fila absurda, tráfico de órgãos e tudo isso, temos primeiro que conhecer sobre o que estamos falando.
Então vamos postar aqui um resumo da burocracia que precisa ser seguida para que ocorra um transplante cardíaco e então vocês podem formar uma opinião baseada no que lerem.

1) A seleção do doador:

Para doar um coração, é preciso que o doador esteja em condição de morte encefálica, o encéfalo é a parte do corpo geralmente confundida com o cérebro. Na verdade, é quase a mesma coisa, mas além do cérebro, o encéfalo inclui o tronco cerebral.
Quando alguém sofre um trauma na cabeça ou um derrame que comprometa o tronco encefálico, configura-se a morte encefálica profunda e irreversível. Quando ela ocorre, como o encéfalo controla todas as funções vitais do organismo, os órgãos e tecidos que dependem de seu comandos sofrem uma deterioração progressiva, pois o fluxo sanguíneo continua, entretanto a cada minuto que passa ocorre uma diminuição nos batimentos cardíacos, e conseqüentemente no fluxo sanguíneo, e então ocorre a morte propriamente dita.
A paralisação do encéfalo pode ser diagnosticada em qualquer hospital que conte com um neurologista e equipamentos necessários para a realização dos exames. Não há riscos de erros médicos, uma vez que o diagnóstico é dado por dois médicos, sendo um deles neurologista e nenhum deles da equipe que realizará o transplante.
Entre os exames que provam a morte encefálica, além do exame clínico, estão: o eletroencefalograma, que é um registro da atividade elétrica cerebral usando eletrodos, arteriografia, redioisótopo, ecodoppler transcraniano, que são exames que comprovam a ausência de fluxo sanguíneo cerebral. Estes exames são realizados, pelo menos duas vezes, com intervalo de seis horas, para então a morte encefálica poder ser confirmada.
Ou seja, estes são procedimentos que darão à família do indivíduo a certeza de que o estado dele é irreversível, sem risco de erros.
Após a comprovação da morte encefálica, de acordo com os critérios aceitos pelo Conselho Federal de Medicina, e com autorização dos familiares é iniciado o processo de avaliação do doador.
Ele consiste na análise de altura e de peso do doador, na determinação dos dados antropométricos (medida do tronco, da curvatura, dos braços), identificação do grupo sanguíneo pelo sistema ABO, controle dos sinais vitais básicos e exames normais. Além de determinações sorológicas para doenças como hepatite B e C e AIDS.
Após os resultados dos exames gerais, ocorre a avaliação do estado do coração do doador. Ela é composta por exames que visam confirmar a normalidade do órgão através de testes como eletrocardiograma (registro da variação dos potenciais elétricos gerados pela atividade elétrica do coração), radiografia do tórax e ecocardiograma (exame que reproduz imagens do coração).
Se os resultados desta série de exames, que visam somente proteger o possível receptor do coração, não apontarem nenhum tipo de contra-indicação, é feita a análise macroscópica do órgão no momento da cardiectomia (retirada do coração) completando assim a verificação do potencial do coração. E então a notificação do doador poderá ser feita à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO).

2) A seleção do receptor:

São candidatos ao transplante de coração aqueles que sofrem de insuficiência cardíaca grave vinda de doenças cardíacas como miocardiopatias, DAC (Doença Arterial Coronariana) e Valvulotopia Reumática, que já esgotaram todas as possibilidades de tratamentos clínicos, cirúrgicos e têm expectativa de vida inferior a 1 ano.
Entre os exames físicos para a determinação da classe que o candidato será inscrito, estão, o histórico geral do paciente, exame físico completo, estado nutricional, avaliações renais, hepáticas e tireoideanas, hemograma completo, plaquetas, coagulograma (verificação das condições de coagulação do sangue), mamografia e papanicolau, para mulheres, eletrocardiograma, ecocardiograma, radiografia do tórax, identificação do grupo sanguíneo no sistema ABO, painel de anticorpos, sorologia (para determinar doenças como AIDS, hepatite B e C).
Há também uma avaliação psicológica e socioeconômica detalhada dos candidatos. São levados em conta fatores como: apoio familiar, estabilidade psicológica, aceitabilidade, dados sobre renda, instrução e profissão, noção de saneamento básico total, e etc.
Uma vez aprovado pela equipe e na ausência de contra-indicações, o candidato será então inscrito na lista de espera que é formada pelos candidatos divididos primeiramente nas classes I e II, sendo a classe I a dos indivíduos que apresentam pior quadro (os que respiram artificialmente e/ou já possuem algum tipo de transplante mecânico), em seguida são divididos por grupo sanguíneo, ordenados pela inscrição na lista e caracterizados principalmente, pelo peso.
Os exames são repetidos pelos candidatos a cada 6 meses, para garantir sua permanência na classe correta e na lista de transplantes.

3) Próximos passos:
Quando a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos recebe uma notificação de um doador em morte cerebral, o computador analisa de acordo com o doador, o receptor que está em pior estado clínico, que se inscreveu a mais tempo, que é mais compatível, em termos de peso, altura e que tem o mesmo tipo sanguíneo do doador será selecionado para o transplante.
Uma vez feito este processo, a equipe de transplante contata o receptor mais compatível e se inicia então o pré-operatório.
Apesar da grande chance do transplante ser realizado a partir deste ponto, não há garantias de que ele se concretize, pois o receptor não poderá ter nenhum tipo de contra-indicação como infecção, gravidez, e outros fatores que possam influenciar no pós-operatório e a longo prazo.
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É preciso dizer que se trata de um transplante cardíaco, se trata do coração de uma pessoa batendo no peito de outra, então toda a burocracia, todo o processo, todos os exames e papéis são excenciais para o sucesso do transplante.
A fila é única, não há distinção entre pacientes que possuem ou não convênio médico, ela é organizada e controlada por apenas uma central, que é encarregada de encontrar o receptor ideal para cada doador e comunicar à equipe cirúrgica a posibilidade do transplante.
Nossa opinião é a de que a burocracia se faz mais do que necessária, se faz fundamental para que tudo ocorra bem, apesar do nosso país ter muitas falhas em sua legislação, acreditamos que uma lei rigorosa é o único jeito de garantir que os transplantes sejam bem feitos e tenham sucesso.
A morte nas filas, causada pela falta de órgãos, não é apenas um resultado da burocracia, mas de um conjunto de fatores e responsáveis. Entre eles nós e você...

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